A criptomoeda é muitas vezes vista através das lentes estreitas do preço. A narrativa dominante em torno do Bitcoin, Ethereum e do mercado de criptomoedas mais amplo se fixou em uma ideia: os números sobem. O Bitcoin quebrou US$ 100,000? O Ethereum dobrou em um mês? Essa altcoin está indo para a lua?
A mídia financeira, os especialistas em X e até mesmo os defensores das criptomoedas rotineiramente reduzem toda uma revolução tecnológica a uma corrida especulativa para preços cada vez mais altos. Mas isso é como avaliar a Apple ou a Nvidia apenas por seus movimentos de ações, ignorando o iPhone ou as GPUs que alimentam a infraestrutura de IA. É uma maneira superficial de pensar - e em criptomoedas, também é perigoso.
Nos mercados tradicionais, o valor é, em última análise, fundamentado no uso. Quanto mais produtos uma empresa vende, mais receita ela gera. Quanto mais usuários ele retém, mais forte é seu efeito de rede. A Apple não é uma empresa de US$ 3 trilhões só porque o preço de suas ações subiu; é porque mais de um bilhão de pessoas usam seu ecossistema diariamente. A Nvidia não se tornou uma queridinha de Wall Street por puro impulso; construiu os chips mais essenciais da era da IA. O preço das ações segue o ajuste do mercado de produtos. Em criptomoedas, esse princípio é frequentemente invertido - o preço vem primeiro e todo o resto se torna secundário ou opcional.
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Em nenhum lugar essa filosofia está mais profundamente enraizada do que no que pode ser chamado de Saylorismo - a ideologia promovida por Michael Saylor, da MicroStrategy, o evangelista mais barulhento do Bitcoin como garantia. Sob essa visão de mundo, a utilidade central do Bitcoin não é transacionar, construir ou inovar - é simplesmente manter. Você compra Bitcoin, nunca vende, pede emprestado contra ele, repete. O uso é o entesouramento.
O Bitcoin não é uma moeda ou plataforma sob o saylorismo - é um cofre especulativo de valor, projetado para se valorizar para sempre e justificar mais empréstimos. Em essência, toda empresa se torna um fundo Bitcoin alavancado, construindo sua estrutura de capital em torno de uma única aposta: que o número sempre sobe.
Este é um afastamento radical da lógica que sustenta negócios saudáveis. As empresas tradicionais crescem criando valor para os outros, por meio de produtos, serviços e infraestrutura. Sob o saylorismo, o valor é internalizado, circular e, em última análise, recursivo: você compra mais Bitcoin porque está subindo, o que o faz subir, o que justifica comprar mais. Assemelha-se a uma mentalidade Ponzi corporativa, não em termos legais, mas em dinâmicas estruturais, onde a adoção externa importa menos do que a alavancagem interna. O mercado não precisa de novos usuários, só precisa de detentores existentes para continuar acreditando.
Compare isso com o Ethereum, a segunda maior criptomoeda por capitalização de mercado, que tomou um caminho diferente. Embora o Ethereum também esteja sujeito à atração gravitacional da especulação de preços, ninguém argumentaria que "o número sobe" não importa; sua proposta de valor está fundamentalmente enraizada no uso. O ETH não é apenas uma reserva de valor; é o combustível de uma economia. Ele alimenta aplicativos descentralizados, liquida bilhões em transações de stablecoin, tokeniza ativos do mundo real, cunha NFTs, facilita finanças descentralizadas e oferece suporte à governança. O ETH tem demanda porque a rede tem demanda. Quanto mais pessoas usam o Ethereum, mais ETH é necessário. E quanto mais ETH é queimado por meio de taxas de transação, mais a oferta se torna restrita. O preço aqui reflete a atividade, não apenas a crença.
Essa distinção é profunda. O crescimento do Ethereum está ligado à sua funcionalidade, ao que ele permite para usuários e desenvolvedores. Assemelha-se mais a um negócio tradicional do que a um cofre. É como a Amazon no início dos anos 2000: difícil de avaliar por métricas convencionais, mas atendendo a um ecossistema em crescimento.
A diferença entre esses dois modelos – Bitcoin como ouro e Ethereum como infraestrutura – gerou um debate interminável sobre se eles estão mesmo em competição. Alguns argumentam que são espécies totalmente diferentes: Bitcoin é um metal monetário; Ethereum é um computador mundial descentralizado, talvez comparado ao petróleo digital.
É justo perguntar: o que é mais valioso, o ouro que você guarda ou o dólar que gasta? O valor do Bitcoin depende das pessoas que o possuem. O valor do Ethereum depende das pessoas que o usam. Ambos estão tendo sucesso, mas os caminhos não são os mesmos.
Se a criptomoeda quiser evoluir além de sua adolescência especulativa, ela deve se afastar da obsessão pelo preço e se aproximar da obsessão pela utilidade. Isso significa fazer perguntas mais difíceis: Para que serve esse protocolo? Quem depende disso? Que problema resolve? A avaliação deve vir da participação, não apenas da ação do preço. Um blockchain que oferece utilidade no mundo real para finanças, identidade, coordenação ou computação merece apreciação. Mas deve conquistá-lo por meio da adoção, não da ideologia.
E se, em vez de competir, Bitcoin e Ethereum encontrassem um terreno comum e trabalhassem juntos?
É aí que surge a oportunidade: o Ethereum serve como a porta de entrada mais robusta para os detentores de Bitcoin que buscam acessar o mundo mais amplo das finanças descentralizadas. Nenhuma rede rivaliza com o Ethereum em termos de profundidade e maturidade do DeFi. Ao converter o BTC em ativos compatíveis com Ethereum, os detentores podem se envolver em um ecossistema dinâmico de empréstimos, staking e geração de rendimentos, transformando o Bitcoin inativo em capital ativo e gerador de valor. Plataformas como Aave, Lido, Ethena, ether.fi e Maker permitem que o BTC participe de maneiras que a retenção estática simplesmente não pode.
O resultado?
Benefício mútuo: Ethereum atrai mais liquidez, enquanto Bitcoin ganha a utilidade necessária. É uma sinergia poderosa que amplifica os pontos fortes de ambas as redes.
A criptomoeda não é apenas um ativo financeiro burro: é dinheiro programável, propriedade digital, transações sem atrito, coordenação descentralizada e finanças sem confiança. É uma reimaginação da camada econômica da internet. Mas seu sucesso a longo prazo depende de superar a dopamina dos gráficos diários de preços. Porque, no final, as tecnologias mais valiosas não são aquelas com os tickers mais chamativos; são eles que se acostumam.
E o uso, não o acúmulo, é o que cria valor duradouro.